Preciso ser sincera com você que para realizar um Passeio pelo BRÁS em São Paulo é necessário ir em grupo. O bairro é a "porta de entrada" para a Zona Leste da cidade e possui algumas deficiências estruturais deixando a localidade muito perigosa para o turismo, porém, planejando é possível obter sucesso na empreitada.
Diante disto mas com vontade de me aprofundar no meu pequeno e limitado conhecimento sobre o bairro, adquiri um tour guiado por apenas R$45 que durou quase 5 horas. O tour é feito pelo Estação História e você pode encontrá-los no Facebook. O condutor do tour é o Marcos, historiador credenciado como guia turístico e se aprofunda muito nos detalhes, o que para mim, foi mais do que ótimo.
A introdução do tour já começa com o Brás no Brasil Colônia, que era a periferia do centro e destino do lixo da cidade, além do lixo das terras das carmelitas, principalmente por causa do seu rio Tamanduateí. Anos mais tarde, com o avanço da cidade, o bairro começou a perder a função de lixão e as construções se deram início. Nos seus tempos de glória existia o Parque Dom Pedro onde pessoas da classe operária podiam curtir momentos de lazer e até usufruir dos banhos turcos que existiam por lá, com sauna e tudo.
Em 1867 foi inaugurada a Estação do Brás e rapidamente o progresso se estendeu ao bairro, instalando-se por lá várias indústrias e pequenos comércios. Como os terrenos ainda eram bem baratos devido aos lençóis freáticos da região que ajudavam a inundar o bairro, tanto o Brás como a Mooca tornaram-se os principais destinos da maioria dos trabalhadores que chegavam à cidade. Em especial se instalaram por lá muitos imigrantes italianos, dando uma caracterizada única ao local e no tour tive a oportunidade de avistar alguns aspectos arquitetônicos daquela época ainda de pé.
Passeio pelo BRÁS em São Paulo
Passeio pelo BRÁS em São Paulo
O tour começou na Estação Pedro II e a caminhada foi naquela região como é possível ver no mapa ao lado. O grupo contava com 40 pessoas de diversas idades e foi totalmente em português. Apesar do número considerável de participantes, não houve incidentes negativos.
No início do tour foi comunicado para escondermos os itens de valor como brincos e colares. Também nos orientaram para tomarmos cuidado ao tirarmos fotos com celulares e sempre mantê-los na frente do corpo.
Partimos para a rua Capitão Faustino de Lima e avistamos a antiga fábrica dos vinagres Castelo que antes era uma destilaria de licores. Nos foi dito que com a chegada da Comgás (antiga Light Canadense), a indústria brotou por lá, levando tecelagens, por exemplo. Com as tecelagens e as pessoas comprando mais tecidos para fazerem suas roupas, era necessário mostrar os trajes novos, sendo assim feita a necessidade de se instalarem bailes. Com os bailes os licores também se faziam necessários e por aí vai. Este prédio dos vinagres ao que tudo indica será demolido em um futuro próximo.
Na mesma rua se encontra o gasômetro da Comgás, antiga Light, que através de uma concessão que durou 90 anos instalou a indústria de gás naquele lugar porque as máquinas eram movidas a vapor e, como a região do Brás possui lençóis freáticos não muito profundos, a Light encontrou o local propício para utilizar água em abundância. E é justamente devido a estes lençóis freáticos + a remodelagem do rio Tamanduateí e o rio Piratininga + lixo acumulado + negligência da subprefeitura que a região até hoje sofre com inundações catastróficas.
Depois seguimos para a Villa Queiroga, hoje conhecida como Travessa Queiroga. As casas da travessa são consideradas patrimônios ameaçados, tanto que apenas duas residências possuem alguns aspectos originais. São edificações anteriores a 1930 e possuem arquitetura peculiar com o porão alto devido às enchentes da região. As casas foram construídas por José Bernardino de Queiroga a partir de 1905 com a finalidade de alugar os imóveis. É incrível como não se encontra muitas informações sobre as casas e seu idealizador na internet, mas tudo nos leva a crer que eram casas para operários das fábricas próximas.
O historiador do tour também nos explicou sobre o ditado popular "sem eira nem beira": dizem que antigamente as casas dos mais abastados possuíam um telhado triplo sendo estes elementos chamado de eira, beira e tribeira. Já os das classes operárias não tinham condições de fazer este tipo de telhado ou de morar em uma residência com este tipo de telhado, então construíam somente a tribeira, sendo depois denominadas as pessoas mais pobres de "sem eira nem beira".
Ao final da Villa Queiroga é possível avistar a antiga fábrica da Comgás, conhecida como Casa das Retortas que fazia parte do complexo do Gasômetro. O prédio é de 1870 e funcionou lá pela Light Canadense até 1967 onde passou a ser a empresa pública Companhia de Gás de São Paulo, ou Comgás, que operou por lá até 1972. Desde então segue abandonado apesar do edifício ter sido tombado pelo CONPRESP - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo e pelo CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo. Já houve intenção de transformá-lo no Museu da História de São Paulo com incremento de edificação de projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi, mas desde 2015, após reforma bilionária, segue abandonado.
Passeio pelo BRÁS em São Paulo
Depois partimos para a rua Caetano Pinto e na esquina com a Avenida Rangel Pestana está um casarão de arquitetura renascentista de Firenze, ou Florença, na Itália. O casarão possui um nome: Palacete Rega. O imóvel possui andar térreo e dois andares. Mais acima encontra-se a estrutura denominada de "águas furtadas" que eu não sabia que existia tal denominação até fazer este tour. Para quem não sabe: "Água-furtada" é uma estrutura construída na parte do telhado constituído de uma aresta inclinada delimitada pelo encontro de duas águas que formam um ângulo reentrante, que desta forma, convergem as águas que caem sobre o telhado para evitar que o andar superior dos edifícios sejam prejudicados em casos de chuvas abundantes.
A edificação foi construída pelo imigrante italiano Carlos Rega que chegou ainda criança a São Paulo. Obviamente que somente adulto construíu o prédio e no térreo abriu a farmácia, vocação herdada pela família.
Carlos Rega faleceu em 1955 e provavelmente seus descendentes não mantiveram a vocação, visto que a farmácia foi vendida. Depois de um tempo, o térreo virou uma lanchonete e os andares de cima uma hospedaria do tipo cortiço. Muito decadente nos dias de hoje, segue incerto quanto ao seu futuro. Mas o historiador nos contou histórias de que a rua tinha a fama de ser a "Firenze" de São Paulo devido à arquitetura do prédio. Nesta rua também haviam italianos e espanhóis e os times Palmeiras e Corinthians, respectivamente, se encontravam na rua, em harmonia.
Depois partimos para a Rua Piratininga onde ouvimos a história sobre o rio Piratininga que virou rua. Piratininga em tupi-guarani significa "peixe seco" e isso vinha porque, após uma boa chuva, o rio enchia e quando ele voltava no seu volume habitual, os peixes que não conseguiam voltar morriam e ficam secos por causa do sol.
Partimos para o antigo Liceu de Artes e Ofícios que hoje é o Fórum Brás das Varas Especiais da Infância e da Juventude. O prédio possui a arquitetura inalterada, sendo as portas também originais. Lá os meninos estudavam diversos cursos desde arte até engenharia e as meninas só estudavam dois cursos: prendas domésticas e costura. Este Liceu era tão importante na época que até hoje percebemos uma influência regional por conta da sua antiga presença: o bairro possui ruas com muitas lojas de madeiras e isso foi devido aos cursos do Liceu e a necessidade de haver insumos para os alunos e, desta forma, estabeleceu-se empresas especializadas neles.
As tecelagens surgiram tempos depois, com a imigração de árabes e libaneses para a região, porém este tema não foi abordado no tour.
Conhecemos a Escola Romão Puiggari que é referência de ótima educação até hoje e diferentemente do que as pessoas acham, Romão Puiggari não era italiano, mas espanhol. Ele era um diretor da escola e muito querido pelos alunos. Anos mais tarde a escola ganhou o nome deste diretor em forma de homenagem. Desde 2002 a escola é Patrimônio da Cidade de São Paulo.
Quase em frente à escola encontra-se a Paróquia Bom Jesus do Brás que foi construída por italianos para italianos da região. Na época ela era tão importante que chamaram o mesmo artista que fez as pinturas da casa de verão do Papa. Obviamente hoje nem só italianos a frequenta, sendo ela adaptada também para os imigrantes bolivianos com a imagem de Nossa Senhora de Cusco e com missas em espanhol em determinados dias. Há uma imagem de um rosto que dizem que surgiu de forma milagrosa no corredor da direita da Paróquia e o rosto faz lembrar a de Jesus. Bom... acreditando ou não, é fato que não há muita coisa falando sobre isso na internet.
Adiante fomos até a Vila Vadico que era uma vila onde só moravam imigrantes italianos. Lá fomos recebidos na cada da Dona Licena Montanaro que veio em 1955 de Polignano a Mare, na Puglia, Italia.
Este foi o ponto mais alto do tour. Mesmo pequenina a casa, ela fez questão de todos entrarem em sua casa. Fomos acolhidos e cantamos uma canção. Ela falou rapidamente como e porque veio a São Paulo aos 18 anos, caíram algumas lágrimas de seus olhos e ganhamos deliciosos biscoitos artesanais feitos por ela.
Daria para ficar lá uma tarde toda conversando com ela, mas tínhamos que seguir em frente até mesmo para não atrapalhá-la. Vocês saem né? Uma Mamma italiana daqui a pouco iria se levantar e fazer um baita de um almoço de domingo para todos. Não queríamos atrapalhar este ser cheio de amor!
Para fechar o tour seguimos pela antiga Tecelagem Mariangela da família Matarazzo que ainda funciona como fábrica (mas de outros tipos de produtos), na Associação São Vito Martir e terminando na Paróquia de São Vito. Este final ficou um pouco corrido, até porque a sujeira das ruas era nível ultra mega high level.
A festa de São Vito é comemorada há um pouco mais de 100 anos e para quem não sabe, São Vito é padroeiro da cidade de onde a Dona Licena Motanaro veio! O bairro possui uma rua Polignano "A." Mare e ela é uma das mammas voluntárias da festa. A festa acontece todos os anos a partir de Junho até meados de Julho, aos finais de semana. Mas o dia do santo é dia 15 de Junho.
Interessante também saber um pouco sobre São Vito. Diz a lenda que Vito ainda com 7 anos era cristão devoto e fervoroso, porém o seu pai, que era um senador de Lucania (conhecida hoje mais como Basilicata), tentou de diversas formas (até com torturas) fazê-lo se afastar de sua fé. Diante disso, Vito fugiu com seu tutor Modestus e sua esposa Crescentia, a babá de Vito. Ele foi levado para Roma e já com 12 ou 15 anos, em uma determinada ocasião, foi incumbido de expulsar um demônio que havia tomado posse de um dos filhos do imperador Diocleciano. Vito teve êxito, mas mesmo assim, devido à sua fé, foi torturado junto com seus tutores. No momento da tortura um anjo levou os três de volta à Lucania, e foi lá que acabaram morrendo devido aos ferimentos causados pelas torturas sofridas. Três dias depois, dizem que Vito apareceu para uma matrona distinta chamada Florentia, e que com suas orientações encontrou os corpos dos três e os enterrou no local onde estavam.
Um outro fato curioso é que no final da Idade Média, as pessoas em algumas localidade da Alemanha celebravam a festa de Vitus dançando diante de sua estátua, sendo conhecida como "Saint Vitus Dance", nome que também foi dado à doença neurológica da Coreia de Sydenham. Estas festividades germânicas também levou Vito a ser considerado o santo padroeiro dos dançarinos e dos artistas em geral inclusive atores, comediantes e dançarinos e na lista constam os epiléticos. Dizem que ele também protege contra raios de trovões, ataques de animais e o ato de dormir demais. Ele é padroeiro de várias cidades italianas, na Baviera Alemã e Áustria.
Museu da Imigração
O Museu da Imigraçãonão fez parte do passeio mas apesar de parecer que fica no bairro da Mooca, ele fica no Brás, no fim de uma rua sem saída que dá para os trilhos do trem. A rua é bem deserta e esquisita, então, se você não estiver de carro, sugiro chegar lá de taxi, porque não recomendo que você ande a pé por lá.
Para mim, até o dia da minha visita, acreditava que o Museu do Imigrante não passava de uma grande acervo sobre os imigrantes. Estava completamente enganada! Após a reformulação de 2014, o então Memorial do Imigrante passou a ser chamado de Museu da Imigração e o que encontrei lá é digno de museu internacional!
Me espantei em saber que, o que vi por lá, é uma exposição temporária de longa duração, mas estou torcendo para que seja uma exposição permanente!
Fomos num sábado de Março/2016 e tivemos a sorte de estarmos no dia de gratuidade na visita. Logo que entramos fomos direto ao pequeno estúdio fotográfico onde você pode tirar fotos sérias com roupas da época que ocorreu os registros de imigrantes. Como estávamos em 2, o valor cobrado foi de R$40. O preço aumenta conforme o número de pessoas, mas não tiramos fotos, vai ficar pra próxima.
Ao lado do pequeno estúdio deu para ver um pouco da linha férrea e a plataforma de embarque e desembarque. É bem interessante o que eu senti, já que eu sei que minha avó passou por lá.
Em frente ao prédio há um jardim muito gostoso que te convida a sentar nos seus banquinhos e observar tudo com muita calma e paz. Há uma lanchonete bem simples no jardim que vale a pena tomar um bom café por lá.
Os imigrantes que vinham para São Paulo no final do século XIX eram tantos que o abrigo provisório dos imigrantes no Bom Retiro acabou ficando obsoleto e, com isso, foi construída esta Hospedaria de Imigrantes ao lado dos trilhos do trem e recebeu seus primeiros "hóspedes" em 1887.
Eu não me canso de afirmar que o museu é fantástico! Espero muito que continue assim. Dependendo do dia e horário, há visitas guiadas gratuitas. Existem mais duas salas de exposições temporárias no piso térreo e vale a pena visitar.
Eu já estou programando a minha volta a este museu que realmente... me deixou de queixo caído!
Informações:
Horário de funcionamento: de Terça a Sábado das 09h-17h e Domingos das 10h- 17h.
Entrada: R$6,00 R$10,00 (atualizado em Setembro/2019)
Gratuidade aos Sábados
Endereço: Rua Visconde de Parnaíba, 1316, Mooca
Para chegar lá você pode pegar o metrô e descer na estação Brás ou estação Bresser-Mooca e seguir de taxi.
Passeio pelo BRÁS em São Paulo
Dicas de Restaurantes
Este assunto é complicado numa cidade como São Paulo, já que ela é altamente conhecida por seu cenário gastronômico. Ok.... Eu teria diversos lugares para indicar e talvez isso geraria uma página somente com estas dicas. Mas como eu sei que a lista de dicas vai demorar muito tempo (porque eu terei que voltar a alguns restaurantes para registros fotográficos). Vou começar com alguns (melhor que nada):
Esperem que virá.....
Deixe seu comentário / Nenhum comentário